sexta-feira, 27 de maio de 2011

“As Carvoarias do Pego”

"O CARVOEIRO"
Joaquim de Sousa Gil (1948-1989), mais conhecido por “Joaquim Parreira”, natural da Freguesia do Pego, ilustre ensaiador do Rancho Folclórico da Casa do povo do Pego e animador de várias festas desta Aldeia (o Carnaval é um exemplo que me ficou na memória), deixou-nos um relato fidedigno da vida dura dos carvoeiros Pegachos, o qual se transcreve na íntegra:


“”A profissão mais desenvolvida da nossa terra foi sem duvida a de carvoeiro, deu-se com mais incidência no princípio do século XX, embora ainda hoje muita gente trabalhe nas carvoarias.
Trabalhos muito rudes, principiavam no principio do ano, e, duravam na maioria das vezes até Dezembro.
Aonde houvesse especialmente sobreiros e azinheiras, e também outras árvores, lá se encontravam grupos de pegachos, “AS MALTAS”.
No fim do século passado e até no actual, era vê-los dias a pé, por esse Alentejo fora, já que no Alentejo que havia mais trabalho. Chegados ao local, escolhia-se o sítio próprio, construíam-se as barracas, formando a malhada.
Este local era a sua terra, o seu lar durante todo o ano. Por isso as suas barracas eram bem-feitas, fortes paus, bem tapados com ramos e depois com junco ou bracejo, defendendo-se assim da chuva, do frio, do calor e também da bicharada. Lá dentro construíam a cama, sendo o colchão de carqueja e junco ou bracejo, ai descansavam nas poucas horas de lazer e guardavam os seus haveres.
Era grande a área de trabalho, por isso muitas vezes tinham de sair de noite percorrendo horas de alcofa ás costas com os mantimentos para esse dia, levando também pesadas ferramentas. Chegados ao local, o que mandava, o “Manajeiro”, indicava o sítio aonde naquele dia seria a cozinha; local aonde se cozinhava e comia o almoço às 10 horas e o jantar ás 14 horas.
Deixada a panela de barro com umas batatas para as migas, ou feijão-frade, lá se metia um bocado de pão com “CONDUTO” na boca, e principava-se o trabalho ao nascer do sol. Os mais novos, chamados de moços iam á água. Eram horas de barril às costas, outro cozinhava e preparava um grande braseiro, para os homens assarem um pedaço de bacalhau ou toucinho, e fazerem os seus saborosos pares de migas. Os mais afoitos mandavam-nas bem altas por cima até de um pequeno sobreiro indo apanha-las do outro lado, ás vezes resultava terem de as comer do chão, já que na sertã não ficou nada. Ao jantar comiam quase sempre feijão com massa ou arroz, embora houvesse outras ementas.
Ali perto a azafama era grande, homens limpavam arvores cortando grandes pernadas, outros cortavam no chão essas pernadas em pedaços, essa lenha era transportada ás costas para o montes, lá se tiravam a cortiça, desta vez cortiça á “falca”, Com uma só mão os carvoeiros lançavam a machada de alto a baixo, cortando grandes pedaços de cortiça e casca juntos, com a outra seguravam o pau na vertical, depois faziam grandes montes, chamados fornos. Eram tapados com mato e grandes camadas de terra, a seguir coziam o carvão.
Lá para Abril ou Maio o trabalho era pouco, despediam alguns até para o S. João, que era quando começava a derruba dos sobreiros. Também os que ficavam geralmente vinham passar o S. João ao Pego, já que era dos dias mais festejados nessa altura, e há quase meio ano não viam a família. Outros ficavam na malhada, só vendo a sua terra no fim da época. Finda essa quadra, e, novamente todos começavam a derruba das arvores, neste caso os sobreiros menos “sadios” estavam marcados com uma faixa branca, eram estes a ser derrubados. Este trabalho era feito nesta altura, porque agora mais fácil se extraia a cortiça e a casca, separados a cortiça mansa chamada mansa ou virgem, desta vez tanto a cortiça como a casca eram tiradas á enxó.
Grandes árvores arrancadas, outras vezes cortadas por quatro ou mais homens ao mesmo tempo com grandes machados, um homem em cada lado, passavam horas a puxar o serrote para serrar um só toro. Os madeiros maiores eram rebentados com pólvora, depois cunha s e marrão, os bocados maiores eram puxados para o forno de pau e corda, os mais pequenos às costas. Quem chegava primeiro ao sobreiro geralmente levava o pau maior; muitas vezes não faltavam os maus jeitos, o forno era longe e o terreno mau, o corpo não aguentava e tinham de atirar o madeiro para o chão antes de chegar ao destino.
Tirada a cortiça e casca, enfornava-se a lenha formando o forno.
Começa atarefa mais fácil e de mais técnica, “não falei há pouco dela, porque nas derrubas era mais difícil descrever toda a preparação do carvão”.
Grandes fornos eram terrados por diversos homens metade de cada lado sempre a despique, para ver quem terrava o seu lado primeiro e mandar uma(s) pazada(s) para cima dos outros! A TERRAR, serviço bem duro, havias as “AGUADAS”, descanso de 15 minutes cada. Uma “Aguada” antes do almoço, duas do almoço ao jantar e três do jantar á noite. Terrados alguns fornos, o cozedor, homem de grande experiência, acendia-os por esses vales fora, e tratava deles para que toda a lenha se cozesse, para isso tinha de ir de dia e de noite vigiá-los com frequência, abrindo ou tapando buracos chamados “GATÊRAS”, estas abriam-se ou tapavam-se conforme as necessidades de entrada de ar; era aqui a sua técnica. Quando o cozedor (alagava) o forno, era sinal que o sinal que estava cozido. Então os carvoeiros começavam por empoá-los, seguidamente punham o carvão por terra, separando algumas pontas de lenha que não cozera convenientemente, e tapando novamente o carvão para ser tirado no dia seguinte. Das pontas de lenha que não cozeram, faziam as “CUVATAS”, eram os fornos pequeninos.
Tirar o Carvão era tarefa bastante árdua; homens de grades, pás, enxadas, num braseiro de tamancos nos pés, os torrões em brasa ás vezes faziam-lhe a partida, e lá se dava mais um grito ou rogava-se uma praga. O carvão era posto em filas, “os asseiros”, para arrefecer e escolher os torrões e pedras, mais tarde era ensacado.
Dias enormes de verão trabalhando de sol a sol. Valia-lhes a “Sesta”, como compensação; ao jantar além de uma hora e meia para descanso. Começam em principio de Maio indo até fins de Setembro, era o “MANAJEIRO” que no fim da sesta gritava; “ÁGUA FRESCA”; para acordar o pessoal (os que dormiam), e lá estava o barril do precioso liquido, que o moço tinha acabado de trazes às costas, da fonte que muitas vezes ficava no fundo do outro vale.
A sesta era também aproveitada para fazer os cabos para as ferramentas, os paus para os tamancos, que os faziam com capricho, o cocho para beber água, entre outras coisas também se fazia “UMA CADELA”, para se sentarem á noite na malhada de volta do lume que serviu para cozer a ceia, ai contavam os seus contos e anedotas, uma vez que as novidades eram poucas e as cartas da família, geralmente endereçadas ao cuidado do patrão, sempre demoravam a chegar. Aqui era o Manel que as lia e escrevia, pois só ele sabia ler um pouco e escrever.
Aos domingos, e depois de se trabalhar metade do dia, o resto do tempo era para lavar e remendar a roupa, aguçar ferramentas, tapar um buraco da barraca, já que a água da chuva tinha estragado o resto do avio, comprado no domingo anterior na (venda), do Monte ou aldeia mais próxima, ou vendido pelo homem que vinha na carroça aos domingos á tarde. Também era ao domingo á tarde, vestindo roupa lavada, que se ia beber uns copitos, ás vezes horas para se chegar á primeira povoação; sempre se lá tinha gente amiga, conhecida de anos anteriores. Os mais novos se possível deslocavam-se a outro Monte; é que ali andava um grupo de moças que trabalhavam em “MONDAS” e costumavam fazer bailes. Alguns mais afoitos chegavam a namoriscar algumas, havendo os que chegavam a casar. Ainda hoje há quem se lembre de quadras feitas pelos poetas da malhada; eis uma delas:

Tenho fama de ser casado,
Pai de uma menina,
Para quebrar olhos ao mundo,
 Caso contigo ó Cidalina.

Testemunhamos aqui um pouco sobre a vida dos carvoeiros, seria pois necessário uma grande colecção de livros para descrever tudo sobre os mesmos. Os escritores seriam aqueles que sofrem e trabalham por este pais fora e por quem temos o maior respeito.
Ainda hoje, quando conversamos com pessoas bem longe da nossa terra, Pego, orgulhamo-nos pela maneira como eles contam.
-Conhece o ti Manel Pegacho? Há mais de trinta anos que não o vejo!
-Gostava de o ver, era danado para trabalhar, aos Domingos bebia uns copitos, mas era muito bom homem, sempre pronto para tudo!
Não falamos da mulher do carvoeiro, porque esta “A CARVOEIRA”, trabalhando sempre ao lado do homem, ganhando menos que ele por ser mulher, sofrendo ainda em alguns casos maus tratos do marido, e, por outrs factores merece um trabalho mais cuidado.
Sem querer, debruçamo-nos mais sobre os carvoeiros no Alentejo; ai haviam as maiores migrações, mas por exemplo em Trás-os-montes, tanto frio, tanta neve, tantas serras, como seria?””
Pego, 1985
Joaquim de Sousa Gil



Em memória de um homem que muito fez pela sua terra... "Joaquim Parreira"

Agradecimento: Desde já, não poderia deixar de agradecer, à Cristina Sousa, filha de Joaquim Parreira, pelo apoio e autorização na elaboração deste artigo com a publicação do respectivo texto.

Nota: Este texto está publicado no nº8 da revista "Zahara", publicada pelo Centro de Estudos de História local - Palha de Abrantes, a qual poderá ser consultada na biblioteca do Pego.

3 comentários:

Mafalda S. disse...

Muito interessante esta tua pesquisa.

Recordou-me as histórias que o meu pai me contava do seu tempo de carvoeiro. Tempos difíceis, mas também de boas memórias.

Continua, o teu blog está mesmo muito bom, dignifica a nossa terra.

Um abraço.

Pedro disse...

Descobri este blog, e esta narrativa transportou-me no tempo e nos serões passados a ouvir as histórias contadas pelo meu querido avô Zé Larona. Parabéns pelo blog. Muito obrigado

Sérgio Vicente disse...

Muito Obrigado pelo comentário Pedro. este artigo foi feito através de uns textos escritos por um grande homem desta terra, que infelizmente já não se encontra entre nós... Joaquim Parreira!

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